Processos contra supostos erros médicos triplicam, mas cassação de registro é pequena
Denúncias de erro médico têm sido cada vez mais frequentes nos tribunais de Minas. Em 2016, por dia, uma média de dez pacientes entraram com processos relatando supostas falhas dos profissionais da saúde. Ao todo, as ações triplicaram: foram 3.811 casos no ano passado contra 1.232 em 2015, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O aumento, porém, não acompanha o número de cassação dos registros pelas entidades de classe.
No Estado, de 2012 a 2016, seis médicos foram proibidos de exercerem a profissão, conforme o Conselho Regional de Medicina (CRMMG). Em todo o país, no mesmo período, foram 23.
“O erro desses médicos mudou muito minha vida. Fiquei três anos passando por procedimentos cirúrgicos. Tive minha rotina modificada. Até o direito de ter filhos me foi tirado. Não dá para esquecer” (Helida Ferreira Duarte)
Ainda em Minas, o CRMNG julgou 761 profissionais nesses cinco anos. Mais da metade (411) foi absolvida pelos conselheiros. A outra parte recebeu punições mais leves, como advertências.
"50,5 mil médicos estão ativos em Minas Gerais, de um total de 72 mil inscritos no conselho "
Possibilidades
Pacientes insatisfeitos com os procedimentos podem denunciar os profissionais tanto à Justiça, onde são julgadas as possíveis responsabilidade civis ou criminais, quanto nos conselhos de medicina, que abrem processos ético-profissionais. Presidente do CRMMG, Fábio Augusto de Castro Guerra diz que o elevado número de queixas registradas não é fruto do aumento de erros. “Em questões biológicas, nem sempre o melhor cuidado traz o melhor resultado. Temos recebido várias demandas no conselho que, apesar da insatisfação do paciente, não se configuram como um erro efetivo do profissional”, pondera.
Segundo Guerra, toda denúncia que chega ao conselho é apurada com rigor. “A cassação é mais rara porque realmente fica restrita a procedimentos muito graves e, felizmente, não é a realidade que vivenciamos”, afirma.
Dificuldade
Os números, no entanto, desagradam quem se considera alvo de um erro médico. “Sequer consigo profissionais que me deem um laudo mostrando que fui vítima. É difícil um médico acusar outro”, desabafa a administradora Helida Ferreira Duarte, de 42 anos. Na Justiça, a mulher tenta provar que foi alvo de falha profissional. Em 2007, ela conta ter chegado a um hospital se queixando de fortes dores abdominais e, apesar de um dos médicos afirmar que estava com apendicite, foi liberada pelo plantonista, que deu o diagnóstico formal de intoxicação alimentar.
Dias depois, em outro hospital, Helida foi operada às pressas. A demora para fazer o tratamento adequado afetou vários órgãos. O intestino foi reconstituído e o ovário e o útero, lesionados. Passou por quatro cirurgias. “Foi muito constrangimento e sofrimento sem tamanho. Tive minha vida e rotina alteradas. Quero justiça”, desabafa.
Acesso à informação e falta de estrutura motivam denúncias
Maior acesso à informação, falta de estrutura da saúde pública e má formação dos profissionais. As explicações para o aumento das ações judiciais por supostos erros médicos são muitas. Porém, o advogado Mário de Souza Aguirre, especialista na área, diz ser preciso analisar cada caso.“Hoje em dia tem uma gama de informações na internet que as pessoas se julgam mais capazes de avaliar o que é erro. Elas comparam com casos similares e chegam à conclusão que precisam buscar os direitos, e nem sempre estão certas”, afirma.
Também atuante no direito médico, a advogada Regina Ribeiro frisa que também pesa no processo a forma como os profissionais da saúde são vistos pelo paciente. “O médico perdeu a imagem de santo e a relação ficou mais consumerista do que pessoal. Eles passam a ser vistos como prestadores de serviços”, afirma.
Lei
O gerente do Procon da Assembleia Legislativa, Gilberto Dias de Souza, lembra que a relação médico-paciente também é regida pelo Código de Defesa do Consumidor.
O artigo 14 da lei trata sobre a responsabilidade dos prestadores de serviços, o que pode ser usado nessas relações, incluindo os hospitais. “O hospital responde pelo dano independentemente da culpa. Já no caso do médico, é preciso uma análise e a comprovação do erro”, afirma.
Condições
Por sua vez, o presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRMMG), Fábio Augusto de Castro Guerra, afirma que a falta de estrutura tem dificultado a atuação da categoria. “Existe a tendência de julgar os profissionais pelos erros, mas sabemos o quanto as condições de trabalho dos médicos estão difíceis. Faltam insumos e equipamentos básicos”.
Além disso, ele aponta para o problema da má formação de alguns profissionais. “A abertura exagerada de escola nos preocupa. O resultado pode ser a entrada de profissionais mal preparados. Essa é uma luta antiga nossa, inclusive”, afirma.
Assistência
Fundador do Movimento Basta com Erros Médicos (Mobem), Sandro Machado acredita que o baixo número de médicos cassados é fruto de corporativismo. “A grande quantidade de pessoas que entram com processo judicial após se sentirem lesadas depois de procedimentos médicos mostra que o problema existe. Mas, quando vamos ver a quantidade de profissionais penalizados pelos conselhos, que são entidades responsáveis pelo acompanhamento da profissão, percebemos uma espécie de proteção da categoria”, afirma.
O movimento foi criado em 2010, logo após a morte do pai de Sandro supostamente por engano da médica que o assistia e da equipe do hospital onde ele estava internado. Um processo segue na Justiça do Rio de Janeiro sem solução até hoje. Agora, o Basta com Erros Médicos dá apoio jurídico gratuito para pessoas que passam por situação semelhante em todo país.
CFM
O Conselho Federal de Medicina (CFM) rebate. “Desconhecemos ainda outras profissões que punem tanto quanto à medicina. O Conselho Federal pune em média, por ano, cerca de 300 profissionais”. A instituição explica que são considerados erros médicos os danos provocados pela ação ou inação do profissional. Eles acontecem, na maior parte das vezes, por causa de imprudência, imperícia e negligência.
“Explicamos ainda que a medicina presume um compromisso de meios, e não de fins, não podendo ser garantidos resultados. Por isso deve ser separada do resultado adverso quando o médico empregou todos os recursos disponíveis sem obter o sucesso pretendido ou, ainda, diferenciá-lo do acidente imprevisível”, afirma o CFM.
Fonte: Hoje em Dia
Fonte: Hoje em Dia
Processos contra supostos erros médicos triplicam, mas cassação de registro é pequena
Reviewed by Anônimo
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março 08, 2018
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